Por Jennifer Fogaça
Graduada em Química
Não é possível falar do surgimento da Química sem nos referirmos à alquimia. As origens da alquimia e da própria Química perdem-se em tempos que não temos registros, pois não se pode afirmar com certeza o início de cada uma, além disso, assim como todo desenvolvimento, a transição de uma para a outra não ocorreu de imediato.
No entanto, considera-se que a alquimia se manteve entre os anos 300 a.C. e 1500 d.C. e se iniciou em Alexandria, cidade fundada em 331 a.C. por Alexandre, o Grande, na foz do Rio Nilo, como capital de seus territórios conquistados no Egito.
Uma forma de pensamento muito antiga que se desenvolveu nessa cidade foi uma arte egípcia, a khemeia, que é a raiz da palavra Química. A khemeia relacionava-se com mistérios, superstições, ocultismo e religião. Isso tudo se somou aos conhecimentos de diversos sábios, dando origem à alquimia.
A alquimia se difundiu em diversas civilizações, como pelos chineses, hindus, egípcios, árabes e europeus. Entre os seus ideais inatingíveis estavam principalmente:
- A pedra filosofal: Os alquimistas acreditavam que seria possível transformar chumbo (e qualquer outro metal) em ouro, a chamada “transmutação”, e que isso seria conseguido por meio de uma peça particular da matéria, a pedra filosofal.
O alquimista espanhol do século XVI, Arnoldo de Villanova, descreveu a pedra filosofal da seguinte maneira:
“Existe na Natureza certa substância pura que, quando descoberta e levada pela Arte a seu estado perfeito, converterá à perfeição todos os corpos perfeitos em que tocar.”1
Essa crença dos alquimistas se baseava nas ideias do filósofo Aristóteles (384-322 a.C.), que afirmou que a matéria era contínua (não formada por átomos como afirmaram corretamente os filósofos gregos Leucipo e Demócrito), e ele aprimorou a ideia dos quatro elementos de Empédocles. Essa ideia dizia que toda a matéria era formada por quatro elementos: água, terra, fogo e ar, e Aristóteles associou a cada um deles duas “qualidades” opostas: frio ou quente; seco ou úmido. Por exemplo, a água estaria associada a úmido e frio, enquanto o fogo estaria associado a quente e seco. Essas ideias de Aristóteles permaneceram por mais de 2000 anos.
Baseando-se nisso, os alquimistas pensaram em como cada um desses elementos poderiam se transformar uns nos outros se fosse removida ou adicionada a “qualidade” que possuíssem em comum. Essas ideias justificaram a tentativa de se obter ouro a partir da combinação de outros metais.
- O elixir da longa vida: Os alquimistas almejavam extrair o maior dos desejos do ser humano: a vida eterna. Procuravam um elixir da longa vida, que permitiria a imortalidade.
Apesar desse lado ritualístico e de nunca se ter alcançado esses objetivos, os alquimistas foram os pioneiros no desenvolvimento de técnicas de laboratório, como a destilação e a sublimação que são usadas até hoje pelos químicos.
No início do século XV surgiu o Renascimento, um movimento artístico e científico que se baseava na racionalidade, ou seja, uma doutrina de que nada existe sem uma razão, sem uma explicação racional, e no experimentalismo. Foi nesse contexto que o modo de pensar dogmático, místico e supersticioso da alquimia começou a ser mudado por uma nova forma de buscar o conhecimento, através da ciência experimental.
No ano de 1493 nasceu Phillipus Aureolus Theophrastus Bombast von Hohenheim, mais conhecido como o médico Paracelso. Apesar de ainda estar ligado à alquimia, ele desenvolveu a iatroquímica, em que a principal finalidade era a preparação de medicamentos apropriados para combater as doenças por meio de fontes minerais. Para ele o corpo era um conjunto de substâncias químicas que interagiam harmonicamente e que, se a pessoa estivesse doente, isso significaria que havia uma alteração dessa composição química, que podia ser eliminada por meio de produtos químicos.
Por meio dos trabalhos do filósofo inglês Francis Bacon (1561-1625), a Renascença passou a tomar corpo. Juntamente ao francês René Descartes (1596-1650), o pensamento científico começou a se desenvolver ainda mais, a busca do conhecimento se baseava na experimentação e no uso lógico da matemática. Antes, para que o conhecimento fosse aceito como válido, bastava atender às normas da filosofia; a experiência estava fora de questão.
Em 1543, o polonês Nicolau Copérnico causou uma tremenda revolução, quando propôs que o Sol, e não a Terra, era o centro do universo. Homens como Giordano Bruno, Galileu Galilei e Johannes Kepler contribuíram muito para separar a astrologia da astronomia e a alquimia da Química.
Mas dois cientistas foram marcantes nessa transição para a Química como Ciência, que foram Robert Boyle (1627-1691) e Antoine Laurent Lavoisier.
Robert Boyle nasceu no castelo de Lismore, Irlanda, em 1627. Visto que era de família rica, pôde se dedicar tranquilamente aos estudos. Ele foi chamado por alguns de pai da Química, sendo responsabilizado por transformar a alquimia em Química, pois ele introduziu o “método científico”. Boyle assumiu uma postura totalmente diferente dos alquimistas de seus dias, pois ele publicava abertamente todos os detalhes de seu trabalho, defendia o uso de experiências para comprovar os fatos e não aceitava hipóteses só porque eram consagradas. Seu conceito sobre pesquisas científicas foi descrito em seu livro The Sceptical Chymist (O Químico Cético).
Inclusive, Robert Boyle apoiou fervorosamente uma lei que proibia o uso da alquimia para a produção da pedra filosofal, pois ele considerava esse um objetivo frívolo e materialista.
Foi com essa mudança de pensamento que o século XVII começou. Este foi o século do Iluminismo, sendo que a ciência se distanciava da religião. Foi então que surgiu Lavoisier, que foi considerado o fundador da Química Moderna, pois os seus estudos foram marcados por grande precisão, não só qualitativa, mas principalmente quantitativa. Ele utilizava balanças, realizando pesagens e medições cuidadosas, tinha notável precisão e planejamento. Tudo isso fez com que ele conseguisse explicar fatos que outros cientistas não conseguiram.
Lavoisier derrubou teorias, como a teoria do flogístico, descobriu o oxigênio, explicou a combustão, criou a lei de conservação das massas e lançou o Tratado Elementar de Química, no qual forneceu uma nomenclatura moderna para 33 elementos.
Desse ponto em diante, a Química já era considerada uma ciência bem fundamentada e estabelecida. Logo retornou a ideia de que tudo seria composto por átomos, havendo uma evolução do modelo atômico e um conhecimento ainda maior da natureza da matéria.
Além disso, vários elementos foram sendo descobertos, além de suas propriedades químicas e físicas, mostrando que ao contrário do que acreditavam os alquimistas, os “quatro elementos” não eram os constituintes do mundo. Outro ponto marcante para o desenvolvimento da Química foi dado por Dmitri Ivanovich Mendeleiev (1834-1907), quando ele descobriu a Tabela Periódica.
Um aspecto interessante das descobertas químicas que relacionam essa ciência com a alquimia foi a descoberta da radioatividade. Durante muitos séculos os alquimistas trabalharam arduamente para transformar chumbo em ouro, e hoje sabemos que o urânio, um elemento radioativo, emite radiações naturalmente e se transforma em chumbo. Isso mostra que um elemento pode se transformar em outro, apenas não do jeito que os alquimistas queriam.
O desenvolvimento da Química como ciência continua só aumentando ao longo dos anos. Se considerarmos que o marco para o surgimento da Química como ciência experimental se deu com os trabalhos de Lavoisier, vemos que a Química tem pouco mais de 200 anos, é uma Ciência relativamente nova.
1 – Paul Stratern, “O sonho de Mendeleiev: A verdadeira história da Química.”, pág.55.