Pode ser que a formação em química de Jorge Bergoglio tenha influenciado a sua personalidade e modo de encarar o mundo, mas pode também ser o caminho normal de um jovem inteligente, filho de pais com recursos modestos. Só Francisco poderá indicar a importância que a química teve (ou tem) na sua vida. O que parece certo é que a sua eleição e atitude estão a gerar uma química (em sentido metafórico) muito favorável entre os católicos.
Embora não tenham grande relevância para a definição da sua personalidade e para a esperança que o mundo coloca em Francisco, estas notícias contraditórias espelham, infelizmente, a confusão que existe na actualidade entre química e engenharia química. Da mesma forma que não se confundem farmacêuticos, médicos e enfermeiros, embora todos estejam ligados à saúde, também não se devem confundir engenheiros químicos e químicos, embora ambos estejam ligados à química. De facto, estas duas áreas são bastante diferentes e tratam de assuntos relacionados mas não iguais, usando ferramentas muito diferentes. A química tem como tema a constituição, propriedades e transformação dos materiais ao nível das pequenas quantidades. Trata da análise e síntese de materiais que já existem, ou participa na invenção de novos materiais (os químicos têm inventado muitos, por exemplo, novos medicamentos), quase sempre em pequenas quantidades. A engenharia química é um ramo da engenharia que trata de produzir os materiais que já existiam (ou foram inventados) em grandes quantidades optimizando e controlando os processos de produção industriais. Dito de outra forma, o químico preocupa-se em analisar e sintetizar os materiais e as moléculas enquanto o engenheiro químico se preocupa em produzi-los em larga escala. Claro que há químicos a fazer engenharia química e vice-versa, assim como há químicos e engenheiros que podem ser professores, mas não se devem confundir estas áreas da actividade humana sob pena de empobrecermos as duas: as actividades humanas e a química.
Nas notícias dizem também que Francisco, natural de Buenos Aires, gosta de futebol, música clássica e dos escritos de outro porteño, Jorge Luis Borges. Vem, por isso, a propósito referir alguns textos de Borges em que se cruzam fé, alquimia e química. Também estas não devem ser confundidas e Borges não o faz. A fé e a alquimia são do domínio do religioso e filosófico enquanto a química é do domínio da ciência e da técnica. Podem complementar-se mas não se excluem.
Há pelo menos dois contos de Borges em que a química aparece sob a forma de enunciados de conservação. O Livro de Areia é infinito e por isso não pode ser queimado porque criaria um fumo infinito que sufocaria a Terra. Também na Rosa de Paracelso aparece um enunciado químico de conservação, mas neste caso envolvendo também a alquimia e a fé. Trata-se de um conto que evoca, na minha opinião, uma das mais belas e profundas parábolas da Bíblia sobre a Fé e os milagres.
Um candidato a discípulo faz uma longa jornada para encontrar Paracelso. Vê os seus alambiques cheios de pó e as fornalhas apagadas. Pergunta pela rosa e Paracelso admoesta-o por ser crédulo. Exige fé ao candidato mas este espera provas. Paracelso diz-lhe que o milagre não lhe trará a Fé. Atirada a rosa ao fogo, o candidato vê apenas cinza. Afinal, segundo Paracelso, a rosa é eterna, só a sua forma muda. De facto, os átomos da rosa não desaparecem quando esta se decompõe ou arde, apenas mudam para outros arranjos moleculares, formando novas substâncias. O candidato a discípulo julga perceber e deixa de ser crédulo, mas continua sem Fé. E parte sem esperar pelo renascimento da rosa a partir das cinzas.